Crescer Com um Cão – Compreender o Melhor Amigo

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Quando pensamos numa infância plena das coisas que valem a pena na infância, pensamos em garotos a correr na erva, a descobrir rãs e cágados nas ribeiras, a trepar a rochedos e árvores, a comer amoras e a trincar caules de azedas enquanto exploram os seus limites e os limites do mundo. E ao seu lado, qual Sexta-Feira ou Sancho Pança, um cão, colado aos calcanhares, rápido a celebrar as conquistas e a consolar nas derrotas, pronto para o que der e vier. O melhor amigo.

Mas esta imagem idílica já não é o que era. As ribeiras estão poluídas, subir às árvores é perigoso e os limites do mundo definem-se pelos limites do ecrã de um aparelho digital. O leite vem do pacote, os ovos do supermercado e o barulho do trânsito abafa o som dos grilos. A erva não é para pisar. As crianças crescem, na sua maioria, de costas voltadas para a natureza, como já os seus pais antes delas. E quando o cão da família, num dia menos paciente, rosna ao seu pequeno dono, as coisas correm mal. Para o cão.

Na maioria dos casos, as razões que levam um cão a mostrar os dentes, rosnar ou morder a uma criança são as mesmas que levam um adulto a perder a paciência com a criança. Os miúdos pequenos são barulhentos e nunca param quietos. Trepam pelos colos, interrompem as conversas, pintam nas paredes, puxam o cabelo à irmã e enfiam os dedos no nariz da avó. E quando a mãe ralha com eles, dão-lhe pontapés nas canelas.

Os miúdos pequenos não são maus. São apenas pequenos. Precisam de orientação carinhosa e regrada para compreenderem quais os limites socialmente aceitáveis para os seus comportamentos. Precisam de crescer com a importância do respeito pelo outro.

Quando a Joaninha se queixa num pranto que o Francisquinho lhe mexeu no diário, os pais percebem imediatamente a necessidade de explicar ao garoto o direito à privacidade da irmã. Se ele arranca um brinquedo das mãos de um amigo, logo alguém o elucida sobre o conceito de a posse representar nove décimos do direito de propriedade. E quando abraça espontaneamente a mãe esta derrete-se em ternura. Os seus atos e as reações que provocam são facilmente descodificados e interpretados por ele e pelos que o rodeiam.
Mas as interações do Francisquinho com o Farrusco não são tão claras. As ações do garoto, feitas de boa-fé e numa oferta de amizade, podem não fazer sentido no universo de um cão. Podem mesmo ser interpretadas como uma falta de educação ou uma ameaça. E quando o Farrusco explica isto mesmo, ninguém percebe sequer que ele falou, porque ninguém fala a língua dele.

Quando um cão está desconfortável com algo, avisa. E avisa, por regra, repetidas vezes e de várias formas. Os seus avisos vão subindo de tom, e morder é o derradeiro aviso, em desespero de causa. Mas o cão não sabe falar, e ninguém repara no que ele está a dizer. Nem ninguém percebe que certas ações humanas que achamos banais ou mesmo simpáticas possam ser rudes, desagradáveis ou assustadoras para o cão.

Para um cão, a noção de espaço pessoal é muito importante (para nós também, aliás). Tal como a Joaninha não gosta que a tia Júlia lhe belisque as bochechas e lhe dê beijos repenicados, muitos cães não gostam de ser abraçados e apertados. Sentem a invasão do seu espaço como um desrespeito e uma ameaça. Não gostam que lhes puxem as orelhas ou a cauda nem que se sentem em cima deles, e mesmo quando parecem aceitar esse tipo de comportamentos sem problemas, podem sempre vir eventualmente a perder a paciência.

Um cão que se sinta ansioso, intimidado ou incomodado tende a baixar a cabeça e a pôr as orelhas para trás, a encolher o corpo, a agachar-se ou mesmo a deitar-se de barriga para cima, com a cauda baixa ou entre as pernas.

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Se está desconfortável vai virar a cabeça para o lado evitando o nosso olhar, afastar o corpo de nós, recuar, bocejar, levantar uma pata no ar, mexer-se devagar ou ficar rígido, lamber os beiços, arfar.

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Os olhos muito abertos com muito branco à vista e a boca fechada e tensa indicam medo. Um cão que sente necessidade de se defender ou que está irritado e prestes a tornar-se agressivo pode semicerrar os olhos, rosnar, mostrar os dentes, eriçar o pêlo do pescoço, ladrar agressivamente.

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Alguns destes sinais são muito evidentes mas muitos são subtis e tendem a passar despercebidos, principalmente os que indicam desconforto e medo e que levam com frequência o cão a morder.

Mas um cão pode também morder uma criança apenas como correção, tal como um irmão bate no outro que lhe fez uma qualquer maldade. O grau de danos potenciais é que é diferente. A relação entre cães e crianças tende a ser mais de igual para igual do que entre o cão e os adultos, que não rebolam juntos nas poças de lama. Há mais potencial para companheirismo, mas menos respeito, e o cão acha natural corrigir o amigo como corrigiria um irmão de ninhada que lhe tenta tirar a comida ou um brinquedo ou que é demasiado bruto nas brincadeiras.

Finalmente, um cão pode magoar uma criança sem qualquer intenção, apenas porque se entusiasmou e não percebe que os seus dentes e unhas fazem estragos na sensível pele humana.
Quando algo corre mal, a culpa parece então estar igualmente distribuída entre o cão e a criança, certo?

Errado. Uma criança pequena ainda não tem formado um conceito de moralidade e ética, de certo e errado. Um cão nunca o terá. Ambos tendem a fazer o que instintivamente lhes parece natural. Cabe aos adultos ensinar, a ambos, as regras pelas quais devem orientar as suas interações.

Os cães são animais extremamente plásticos. Adaptam-se com facilidade a viver em universos que não são os seus, gostam de aprender, têm prazer em agradar e sentem uma enorme necessidade de pertencer, de participar ativamente na vida familiar. Curiosamente, não são assim tão diferentes de uma criança nestes aspectos, e educar ambos para uma convivência feliz e duradoura pode e deve ser um enorme prazer.

Autora: Teresa Sacadura

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