O Nosso White

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Quando éramos novos o nosso pai levou o meu irmão ao canil para ir buscar um cão (que nós tanto queríamos). Eramos três e eu tinha problemas de alergias por isso a minha mãe deixou duas regras: só podia ser um macho e de pelo curto.

O meu irmão foi ao canil (devia ter uns 5 anos) e perante imensos cães aos saltos e a querer lamber-lhe as mãos, quem lhe chamou à atenção foi uma cadela que estava encostada a um canto, com um ar infeliz. O meu pai bem tentou dissuadi-lo e frisou que só tinha autorização para levar um macho mas quem convence uma criança de 5 anos que aquele animal que lhe chamou à atenção e que tinha o ar mais infeliz do canil não poderia ser “salvo”? Nesta altura compreendo que não foi bem ele que a escolheu, mas sim a ligação e empatia que criaram instantaneamente um pelo outro.

Para agravar a escolha, o pelo era bem comprido… conseguiram ir contra os dois simples requisitos impostos pela mãe!

Quando chegaram a casa, festa foi tão grande entre todos e a cadela que a minha mãe não teve coragem de a mandar de volta.

Chamamos-lhe Tita, não sei porquê mas ficou. Adorávamos a Tita e brincávamos com ela noite e dia. Foi uma alegria enorme na nossa vida e claramente fomos também a alegria dela! Foi uma cadela muito fiel e muito tolerante à energia de 3 crianças! Acompanhava-nos quando íamos passear pelo terreno (a quinta era grande). De vez em quando desaparecia para os seus passeios (era uma vadia!) mas voltava sempre! Uma das vezes que voltou vinha grávida…claro que só descobrimos quando a barriga era bem saliente e a prostração dela dizia que estava para breve. Mais uma vez, ficámos todos em êxtase (e a mãe de novo a ver a vida a andar para trás!!) Um dia à noite lá a encontrámos aninhada com 6 pequenos bebés, dos quais uns demos e ficámos com dois. Gostámos do trocadilho e chamámos Black ao cão branco e White ao cão preto. Mas esta brincadeira durou pouco tempo até que os nomes passaram a corresponder às cores!

A Tita pouco tempo depois saíu e nunca mais voltou…viemos a perceber depois que os cães se afastam para morrer e assim foi. Fez-nos falta e ficámos todos muito tristes mas deixou-nos um bom legado!

Ao fim de um ano o Black ficou muito doente (não sabemos ao certo com o quê) e apesar dos nossos esforços acabou por morrer.

Ficámos então apenas com o White, tornou-se único e cada vez mais especial! Ele para nós e sem duvida nós para ele! Que grande cão nos restou!

Cresceu connosco, acompanhou-nos e aprendia tudo o que lhe era ensinado!

Era mais um irmão nesta família e até direito tinha aos presentes de anos e natal! Quando um de nós estava triste ou a chorar ele sentia, aproximava-se e fazia-nos companhia, pondo a sua pata nas nossas pernas para nos consolar. Era impressionante a relação que todos tínhamos com este cão. Não estávamos na sala sem um de nós estar com ele a dar-lhe festas, brincava connosco e acompanhava o meu pai para onde quer que fosse.

Era engraçado e especial e o melhor de tudo: sorria literalmente quando chegávamos a casa ou quando o excitamento era demasiado nas nossas brincadeiras! Era sem duvida uma presença indispensável na nossa casa!

Quantos desabafos não tive com ele em alturas que não queria falar com mais ninguém!

Acompanhou a nossa adolescência e foi sempre uma “pata amiga” nos momentos difíceis. Acordava-nos quando estávamos atrasados e fazia uma grande festa sempre que nos reencontrávamos!

Cresceu connosco e viu-nos crescer, estudar, sair de casa, casar…

Na altura, os meus irmãos casaram e saíram, foi bom para mim sentir que não estava sozinha, e que ainda tinha mais um “irmão” em casa.

Envelheceu ao seu ritmo e já com 14 anos tivemos de tomar uma decisão muito difícil para todos… deixá-lo em paz. Acabar com o sofrimento que já tinha acumulado e tranquiliza-lo.

Os meus pais não conseguiram estar presentes (prepararam-lhe uma ultima refeição cheia de petiscos), despediram-se e ele também se despediu…Ele sabia que estava na hora.

Este momento foi duro, junto com os meus irmãos, sabíamos que era o inevitável e que teríamos de ser nós a entrega-lo e era a nossa vez de o acompanhar com todo o carinho. Foi um momento de união, de entrega e de muito sofrimento, mas o melhor de tudo foram todas as excelentes recordações que o White nos deixou.

Se era um cão de terapia? Não, não teve nenhum treino específico, era inteligente de natureza.

Foi terapêutico para nós crescer com ele? Sem dúvida!

Crescemos com a responsabilidade de tomar conta de um ser querido, aprendemos a olhar para além de nós próprios, cuidámos dele quando precisou, criámos empatia, comunicávamos, partilhamos momentos da nossa vida.

Crescemos com uma companhia de 4 patas que nos mostrou o que é entrega e amor puro. Nunca nos deixou e aprendemos a deixar ir… Crescemos  mais saudáveis de certeza com todos os anticorpos que apanhamos nas expedições que fizemos juntos pelo campo. Chamava os nossos pais quando precisávamos de ajuda e eles não nos estavam a ouvir.

Foi o meu confidente, a minha companhia, e o meu irmão (mais um) e sem duvida uma lição de vida para todos nós.

Depois de casados, tanto eu como os meus irmãos temos cães em casa. A ligação é tão forte que só nos faz sentido poder proporcionar esta experiência aos nossos filhos!

Dá trabalho? Sem dúvida.

Acredito que os meus filhos vão crescer mais completos? Absolutamente!

Autora: Leonor Ribeiro de Cerqueira, Tutora

 

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